29 de setembro de 2010

Trabalhando com histórias em quadrinhos


 A História em Quadrinhos, como veículo de comunicação visual impressa, além de ser um produto de consumo elaborado pela Indústria Cultural, tem diversas aplicações, seja como peça de marketing, seja como instrumento de transmissão de conhecimento e ferramenta pedagógica. É justamente a possibilidade de uso das HQs que necessita ser melhor compreendida e explorada por educadores, pais e membros de movimentos populares e comunitários.
De acordo com o pedagogo Azis Abrahão (MOYA, 1977, p. 147), ao lado da instrução formal, rígida, há um aprendizado indireto, que também permite a aquisição de conhecimento e que pode ser realizado concomitantemente à instrução direta. Neste sentido, ressalta Abrahão, a História em Quadrinhos, "como veículo de aprendizagem para as crianças, não só é capaz de atingir uma finalidade instrutiva (ensino direto ou central), pela apresentação dos mais diversos assuntos e noções. Mais do que isto, e principalmente, consegue preencher uma finalidade educativa (ensino concomitante), por um desenvolvimento, que produz, de ordem psico-pedagógica, isto é, dos processos mentais e do interesse pela leitura".
O potencial didático-pedagógico dos Quadrinhos envolve:
  • Incentivo à leitura;
  • Utilização em livros didáticos;
  • Aprendizado de línguas estrangeiras;
  • Discussão de temas;
  • Dramatização;
  • Educação popular, etc.
 O desinteresse pela leitura por parte das novas gerações tem sido explicado, de forma generalizada e até mesmo preconceituosa, como conseqüência dos meios visuais e audiovisuais. Imputa-se a ojeriza pelos textos à televisão e, mais recentemente, ao videogame e à Internet. E nem mesmo a História em Quadrinhos passa incólume à ação de teóricos e educadores que procuram entender as causas da rejeição à palavra escrita (e impressa) por parte dos jovens.
           História em Quadrinhos, ao falar diretamente ao imaginário da criança, preenche suas expectativas e a prepara para a leitura de obras escritas. A experiência de folhear as páginas de uma revista de quadrinhos pode gerar e perpetuar o gosto pelo livro impresso, independente de seu conteúdo. Além disso, o aprendizado por meio do uso de quadrinhos, como será visto a seguir, é mais proveitoso.
Os quadrinhos vêm sendo utilizados com sucesso em livros didáticos há três décadas. Artistas e pedagogos unem-se para aproveitar as possibilidades técnicas, narrativas e expressivas dos quadrinhos no que tange à disseminação mais eficiente de conhecimento.
A leitura é apenas uma das possibilidades de emprego da História em Quadrinhos no ensino. Pierre Michel, professor do Liceu de Corbeil, na França, destaca as aplicações dos quadrinhos na educação (MICHEL, 1976, p. 137): trata-se de "um material que pode suscitar a reflexão, a pesquisa e a criação" e não meramente a leitura descompromissada.
Temas da atualidade ou de natureza histórica, ética ou científica podem ser discutidos a partir da leitura de uma determinada História em Quadrinhos. A turma de alunos, ao utilizar os quadrinhos como ponto de partida de um debate, tem em mãos material para refletir a respeito de idéias e valores.
          A dramatização é outro recurso pedagógico que, ao lado do debate, pode ser provocado pela História em Quadrinhos. Como observa Azis Abrahão (MOYA, 1977, p. 153), "à criança o que importa é brincar, jogar, noutras palavras é de especial importância e interesse, para a criança, a atividade lúdica, em si mesma, pelo seu processo, pela simples ação que desencadeia, pois que o objetivo consciente ou deliberado do jogo tem sempre caráter fictício e fortuito". E salienta que "o jogo exercita atividades inespecíficas, desenvolve capacidades e virtualidades gerais, sem qualquer objetivo próprio, relacionadas com o crescimento físico e mental da criança" (MOYA, 1977, p. 153). Assim é que, ao utilizar a História em Quadrinhos (ela mesma um objeto de ludicidade) para a encenação de um tema, para a formulação de jogos dramáticos, pode-se conseguir um rendimento maior e uma integração mais espontânea do grupo, com ganhos de eficiência e economia de tempo na aprendizagem.
À primeira vista, a leitura de Histórias em Quadrinhos pode parecer uma atividade muito simples, que qualquer criança pode fazer.
           Para que a compreensão desta manifestação artística seja possível, é preciso identificar os elementos pertinentes à linguagem quadrinhográfica.
Das charges políticas e ilustrações seqüenciadas editadas em jornais, passando pelas histórias em estampas (muito populares no século XIX), até as tiras, suplementos dominicais, revistas e álbuns de quadrinhos e as graphic-novels mais recentes, os quadrinhistas foram criando e incorporando novos códigos ao sistema de significação da História em Quadrinhos. O leitor, por sua vez, os assimilou e passou a relacioná-los com a narrativa: sua presença tornou-se tão natural quanto o texto dos diálogos ou o estilo do desenho adotado pelo artista.
Os elementos que formam a “semântica” da História em Quadrinhos são:
·         Requadro: a moldura que circunda os desenhos e textos de cada quadrinho ou vinheta. Parte da linguagem não-verbal dos quadrinhos, o requadro limita o espaço onde se colocam objetos e se passam as ações. Se suas linhas forem onduladas,pode tratar-se de sonho, delírio ou recordação do personagem. A ausência de  requadro remete a um espaço ilimitado, infinito;
  • Balão: convenção gráfica onde é inserida a fala ou pensamento do personagem,  este “ícone cinestésico”, como é chamado por Scott McLoud (1995, p. 134), integrou-se ao “vocabulário”dos quadrinhos desde sua utilização em charges políticas publicadas em jornais ingleses no final do século XVIII.
  • O rabicho (apêndice que sai do balão em direção à cabeça do personagem) indica ao leitor quem está falando; quando o rabicho se dirige a um personagem que está fora do requadro e da cena mostrada, trata-se de uma fala em off.
  • Há vários tipos de balões: de cochicho (formado por linhas pontilhadas), de pensamento (caracterizado por linhas onduladas e pela ausência de rabicho, substituído por bolinhas que se dirigem ao personagem), splash (formado por linhas angulares, denuncia o estado emocional do personagem, que está irado), trêmulo (conota o medo sentido pelo personagem), uníssono (neste tipo, vários rabichos saem do balão, mostrando que diversos personagens emitem a mesma fala, concomitantemente), intercalados (demonstram que a fala de um personagem foi emitidas em intervalos de tempo, com uma pausa entre eles) etc.;
  • Recordatório: painel encontrado no interior da vinheta onde são colocados os   textos da narração, de transição de tempo e espaço (“enquanto isso...”, “no dia seguinte...”, “em sua casa...” etc.) ou a voz interior do personagem (substituindo o balão de pensamento). Começou a ser empregado quando da publicação em jornais de tiras de aventura serializadas, a partir de 1929, lembrando ao leitor o que havia acontecido na tira do dia anterior;
  • Onomatopéia: representação de ruídos (explosões, socos, tiros, objetos quebrados,
            colisões etc.) por meio de palavras (BUM! SOC! CRASH!), que podem se iconizar
            e ser consideradas, ao mesmo tempo, signo verbal e iconográfico;
  • Metáfora visual: signos que ganham uma conotação diferente e características quando usados em Histórias em Quadrinhos, como ver estrelas (indicando que o personagem está ferido e sente dor), ter lâmpada acesa sobre a cabeça (significa que o personagem teve uma idéia), corações (mostram que o personagem está apaixonado), serrote cortando uma tora (dormir, roncar como uma serra), ter uma            espiral sobre a cabeça (sentir tontura), falar cobras e lagartos (xingar, demonstrar
            ira), entre outros elementos icônicos;
  • Linhas cinéticas: linhas que indicam o movimento dos personagens ou a trajetória de objetos em plena ação (automóveis e outros meios de locomoção, balas que saem de pistolas, pedras atiradas por alguém etc.). Nas Histórias em Quadrinhos produzidas no Japão (denominadas Mangá), as linhas cinéticas são utilizadas repetida e fartamente, acentuando a ação dos personagens e dando dinamismo à história.
O emprego da História em Quadrinhos no processo de aprendizado é, portanto, um manancial rico para os educadores. Como foi observado ao longo deste texto, são várias as possibilidades encontradas nos quadrinhos que podem ser aplicadas no processo educativo, com o intuito de transmitir conhecimentos, despertar o interesse e criar o hábito da leitura sistemática, conscientizar, fomentar atitudes críticas, desenvolver a aptidão artística e a criatividade, seja em estudantes ou em participantes de movimentos populares.
Conhecer e identificar os elementos que compõem a linguagem característica dos quadrinhos e também estão presentes em sua narrativa auxiliam a análise desta forma de comunicação que também é uma manifestação artística e uma ferramenta pedagógica. Proceder à análise de Histórias em Quadrinhos coletivamente, em sala de aula ou na comunidade, além de ser um exercício prazeroso e instigante, também aguça o espírito crítico de alunos e professores.
A HISTÓRIA EM QUADRINHOS NA SALA DE AULA
Roberto Elísio dos Santos
Professor do IMES – Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul



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