9 de setembro de 2009

TEXTO: Iracema medrosa

__ Iracema é uma medrosa!...
A gente ficava em bando, voando à sua volta e gritando sempre. Seus olhinhos castanhos se enchiam d’água.
__ Não façam assim __ murmurava.
A gente pousava na rama e comentava:
__ Ora, Iracema, o que é que tem?
Vamos até lá. A gente fica pendurada nos fios elétricos e é uma delícia. Balança-se que não se acaba mais. Prá lá... prá cá.
__ Não. Não. Eu não vou. Tenho medo. Vocês nunca deviam ir. Nunca deviam sair da floresta.
__ Bobagens! Que é que tem?
__ Tem sim. E se vocês encontram um alçapão? __ indagava Iracema nervosa. __ E se tem uma gaiola?
__ Gaiola? __ perguntei espantado.__ Que é isso? Mamãe nunca falou pra gente sobre gaiola.
__ É porque vocês são crianças.
__ Então, Iracema, fale. Conte para a gente o que é gaiola.
Iracema arrepiou-se e sua vozinha saiu trêmula.
__ Gaiola é uma coisa horrível. Uma coisa muito feia. Uma floresta de árvores fininhas, amarradas por um cipó chamado arame. Tem uma porta. Botam a gente lá dentro, e pronto. Nunca mais se sai de lá.
__ Ah! Isso não existe. Você está imaginando coisas. Vamos balançar nos fios.
Ela torceu nervosamente as pontas das asas.
__ Vocês me desculpem, mas eu não vou.
Dizendo isso, levantou vôo e fugiu para o coração da mata que nesse momento era quente e acolhedor. A gente ficou caçoando dela aos berros.
__ Iracema é uma medrosa!...
Como ficou longe aquele vozerio:__ Iracema é uma medrosa.
Agora meus olhos se enchem d’água e eu vejo a gaiola em volta do meu corpo moço. Iracema tinha ração: A gaiola é uma coisa horrível! Já não tenho vontade de me mover. Nem sei mesmo se me acostumei em dar pulos de um poleiro para o outro. Tudo tão triste. Triste. Triste.
__ Rapaz, que tristeza é essa?__ perguntava da outra gaiola, seu Pedro, um velho tié-sangue.
Isso passa. No começo é sempre assim. Daqui a pouco você começará a cantar e cantando a vida fica bonita até dentro de uma gaiola.
__ Não. Eu nunca cantarei. Eu nunca cantarei.
E me lembrava de Iracema que jamais passaria por tudo que eu já passara. Iracema teria ninhadas e ninhadas de filhotes e continuaria com medo, mas vivendo livre dentro da mata.
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6 comentários:

  1. nossa, ha anos procurava por esse texto e não o encontrava, de fato o mesmo fez parte da minha infancia e agora pude acha-lo e passar para o meu irmão mais novo.
    Obrigado por tudo,continue com seu trabalho
    contato:fernandonirvanna-live@hotmail.com por favor entrem em contato. obrigado

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    1. Linda história até me emocionou de lembrar os tempos de infância

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  2. Boa essa historia. Fez parte da minha infancia.

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  3. Sempre que vejo o nome Iracema só relaciono com medrosa, devido está história da infância que não sai da memória. Muito bom poder relembrar hj. Obrigada pela publicação.

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  4. esse texto fez parte da minha sempre que tinha leitura em sala de aula, eu pedia pra ler e esse texto era e ainda é um dos meu favoritos.

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  5. Faltou citar o nome do autor. Li esse texto na infância, lá nos anos 70, e fiquei feliz por finalmente encontrá-lo. Há tempos venho procurando. Se não me falta a memória, é de José Mauro de Vasconcelos. Ou estou enganado?

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